Galo Preto
 



Contos

Galo Preto

Míria Santos


O galo preto andava pelo meio da avenida, pra lá e pra cá, cambaleando como um bêbado. Fiquei me perguntando de onde teria saído aquele galo?!... Olhava o bicho andando daquele jeito estranho, balançando sua crista vermelha, com os carros tentando desviar dele, e não conseguia compreender como havia parado ali.

De repente, um carro tirou um fininho dele, por pouco não passa por cima. E assim ia o bicho, de vez em quando chegava mais perto do cordão da calçada, e depois bem tonto voltava para o meio da rua.

Escaneei a rua com meus olhos e vi em um canto do cruzamento um despacho, daqueles que se fazem nas encruzilhadas. Enfim, ligando as coisas, deduzi que o galo era do tal despacho. Tinham-no embebedado, mas não chegaram a matá-lo e o bicho saiu a andar pela avenida depois que acordou do porre.

Fiquei ali torcendo pelo galo. Cada carro que passava era uma vitória, 10 a zero para o Galo.

Nessa de ficar observando, percebi mais duas pessoas que estavam de olho no bicho. Um senhor com a calça arremangada e uma camiseta velha, meio atarracado e com a pele queimada de sol. Era papeleiro, eu sempre passava por ele com seu carrinho de catador. O outro, moreno, barbudo e bem jovem, era um morador de rua, possivelmente usuário de drogas. Percebi que não tiravam os olhos do galo preto, cada um de um lado da avenida. A princípio não me dei conta que interesse pelo galo não era meramente humanitário (que dizer, aviário); então, fiquei curiosa e continuei observando.

Cada movimento do pobre Galo era meticulosamente analisado por nós três: eu, o papeleiro e o morador de rua. Movíamos nossas cabeças como em uma partida de tênis; só que nesse caso a bola era o galo. Passado uns minutos percebi que interesse pelo galo era culinário - queriam era colocá-lo na panela, isso sim!

Pobre galo, se escapasse dos carros encheria a pança de alguém. Que sina essa dele...

Bom, como o galo não resolvia sair do meio da avenida e a coisa se prolongava, me fui para a parada do ônibus. Lá, uma senhora baixinha e gordinha me indagou:

- Mas de onde saiu esse galo?

Respondi:

- Creio que foi de um despacho que tem ali na esquina.

- Será?! – disse ela. E deu um sorriso, achando graça da situação.

- Pois é. Acho que ele vai virar comida, olhe só. – falei apontando para o papeleiro e para o morador de rua.

Depois que falei isso, outra senhora magra e bem-vestida disse:

- Que absurdo! Temos que acionar a sociedade protetora dos animais para tirá-lo dali. Como podem fazer uma coisa dessas, pobre animal.

Fiquei pensando na situação: será que quando ia o supermercado e olhava as galinhas na gôndola das carnes, também tinha essa ideia de chamar a sociedade protetora dos animais? Bom, vai ver ela era vegetariana...

Não me aguentei e disse:

- Devíamos é chamar a sociedade protetora dos humanos.


Míria Santanna dos Santos, professora de artes visuais, gaúcha, nascida em 1965. Sempre gostou de escrita criativa, tendo começado pela poesia. Agora se atreve a escrever histórias curtas. Aluna do curso Metamorfose para formação para escritores.

 

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